19.10.08

Via crucis

















Suicídio



Suicídio











O elevado número de suicídios de escritores e pintores, bem como as vivências de angústia e sofrimento patente em muitas das manifestações artísticas, me fazem refletir



poetas: suicidas

Florbela Espanca, Cruz e Sousa, Antero de Quental, Cláudio Manuel da Costa,Camilo Castelo Branco, Mário de Sá-Carneiro, Antero de Quental Augusto de cinco! Rita, Mário Eloy, Virginia Woolf, Sylvia Plath, Guy de Maupassant, Vincent van Gogh, Wladimir Maiakovski e Sergey Yêssenin e ainda outros



Existem fortes indícios de terem sofrido de doença afetiva, dependência, alcoólica ou química


R Schumman, Coleridge, Keats, Tolstoi, Verlaine, E Allan Poe, Jack London, Mozart,Malcolm Lowry, Monet,Wagner, Beethoven...

















M-e parece paradoxal:

Se a criatividade é uma neoconstrução da realidade, em que o criador escolhe livremente as peças do seu puzzle, exigindo para isso plena integridade do pensamento, e, pelo contrário, o pensamento psicopatológico está empobrecido e perturbado pela doença mental


Como é tão evidente a associação entre patologia mental e criatividade?
Será que o velho mito, de que o todo artista é um louco, é verdadeiro?
Mas quando falamos de doença mental, estaremos a referir-nos a quê?
E de que maneira essa patologia influencia a criação artística?



Dois estudos norte-americanos chamam a atenção
O primeiro procurou estudar o chamado pensamento Janusiano
(do deus romano Jano, representado com dois rostos, um de jovem e outro de velho)
Em que palavras, idéias ou imagens antitéticas são conceptualizadas simultânea ou sucessivamente, surgindo depois à criação (ou síntese) como resultado desse confronto



Quatro grupos estudados:
um grupo de cientistas galardoados com o premio Nobel]
Um grupo de doentes mentais
Um de indivíduos bastante criativos
E outro de indivíduos pouco criativos

Foi o grupo dos indivíduos mais criativos, ou seja, o dos cientistas do Nobel, que obteve as cotações mais elevadas no teste de associação de palavras


Os doentes mentais obtiveram as cotações mais baixas
colocando-se os indivíduos criativos e os pouco criativos
numa posição intermédia

Concluindo que:

O pensamento criador e o pensamento psicopatológico
são coisas diferentes


Com efeito, ao avaliar a incidência de doença mental num grupo de trinta escritores contemporâneos e um grupo com estatuto social e Q. I. semelhantes, observou-se, que os escritores tinham uma maior prevalência de doença afetiva, sobretudo bipolar


A esquizofrenia primava pela ausência, solidão, e angustia...


Um outro estudo procurou analisar a patologia mental de 13 escritores suicidas, tendo verificado e igualmente uma elevada incidência de doença afetiva depressão, e ainda alcoolismo em cerca de um terço dos casos



Nesta ordem de idéias, até que ponto a vivência depressiva e a temática de perda eram visíveis na poesia contemporânea(?)



















Escolhi duas antologias,:


"Edoi Lelia Doira", de Herberto Hélder, que engloba poetas desde a segunda metade do séc XIX até à atualidade

E outra de caráter diferente, o Anuário de Poesia de Autores não Publicados, e curiosamente, em ambas encontrei uma percentagem semelhante das onde a temática era claramente de perda, de luto, de angústia (cerca de 2/3)

Dos 18 poetas selecionados por H. Hélder, sete sofriam, de acordo com a resenha biográfica, de alguma forma de doença mental:


suicídios


Internamento/psiquiátricos


Alcoolismo


Dependência/química, etc



E quanto à pintura?

Será que através da abservação de uma obra, poderemos
inferir algo acerca do estado de espírito do seu criador?


Observem os quadros


Picasso, d"Vias", da sua fase azul uma tela de Eu Greco, "Toledo numa noite de tempestade" a "Romaria de Santo Isidro", da série "Divertimentos Populares", de Goya, logo após a sua surdez (“Mistério e melancolia de uma rua”, de Chirico, e ainda uma pungente escultura de Kienholz, “Alegria de viver” com a tela “Paraíso”, de Kandinsky “O Vermelho é a crista do galo”, de Gorky A noção de bipolaridade entre estes dois grupos de obras é quase instintiva)



Mas será que estes quadros, por mais sugestivos ou reveladores que sejam de um determinado estado de espírito do seu criador, poderão ser considerados pelos psiquiatras como um elemento de diagnóstico de doença mental, nomeadamente de depressão(?)



Se observarmos a produção artística de doentes sofrendo de patologia afetiva, e que não são artistas tem pouco impacto emocional, é pobre do ponto de vista artístico Um deprimido com ideação suicida é reveladora pela sua temática



A representação gráfica de caixões, pedras tumulares, cruzes, coradas pendentes e outros símbolos da morte na nossa cultura deverão alertar para a existência de idéias de suicídio



O mesmo se passa, aliás, com a expressão poética:
um estudo de Sharlin sobre poemas de jovens que posteriormente se suicidaram, quando comparadas com as de um grupo de controle, revelou diferenças semânticas significativas


Um doente deprimido, revela, segundo os autores do estudo, um pendor suicida. Este tipo de elementos aparece freqüentemente na pintura destes doentes, como se fosse uma metáfora:

Um sol de cores violentas, uma estrada que parece caminhar para ele. Tentadora a analogia destes elementos gráficos com um poema de Sylvia Plath, (poetisa que veio a suicidar-se)



Um dos últimos quadros de Van Gogh, pintado poucos dias antes de se suicidar

O famoso “Gralhas no trigal"

Curiosamente, a sua estrutura é semelhante à atrás descrita.
Aqui, um outro exemplo da obra de um doente sofrendo de depressão
e idéias de suicídio:

O sol, os diversos símbolos da morte, o rio, ou a estrada, entre montanha

Nada, porém, comprova a existência de sintomatologia depressiva na altura em que foram pintados Apenas afirmo que essas experiências de horror foram transmutadas, pulverizadas e reconstruídas, mas de tal maneira que o sentimento que transmitem é diferente do das telas de deprimidos


A existência das metáforas pictóricas a que aludi, quer na pintura, quer na poesia, constituem um tipo de comunicação não-verbal que convém saber reconhecer



As vivências experimentadas nas fases depressivas

(angústia, desespero, aspectos fóbicos, obsessivos e paranóides, perda da auto-estima, agressividade, sofrimento, entre outros),

também nas fases hipomaníacas ou mesmo maníacas

(felicidade, perfeição, clareza, exuberância, desinibição, etc.),

Todas essas vivências ampliam o universo emocional do artista, vindo posteriormente a ser utilizada na criação. Muitos autores, sugerem que a "lucidez" da depressão, i.e. todo aquele material que é ruminado, mas não rentabilizado devido à inibição psico-motora e aos aspectos da distorção cognitiva que ocorrem durante uma fase depressiva, dá depois os seus frutos numa fase de hipomania





O processo criador aparece-nos como uma magnífica estratégia para lidar com a depressão, com os sentimentos de perda de auto-estima e do sentido da vida, com a tristeza e com a revolta, até mesmo com a própria ideação suicida





Ao criar, o artista dá à luz os seus monstros escondidos. O fato de serem descobertos ou revelados retira-lhes alguma da carga emocional que contêm: no fundo, o mesmo efeito se obtém com a chamada psicoterapia de apoio, ou inespecífica



Não é, pois por acaso que se fala tanto em exorcismo ou catarse, acerca do ato criador, e que tantos artistas dão testemunho desse alívio

Goethe, ao escrever o seu Werther, exorcizou os seus impulsos suicidas, provavelmente salvando a própria vida

Esta conceptualização das relações entre doença afetiva e criação artística, é apenas um dos níveis de leitura da complexidade do artista e da sua obra




















E eu

sou a seta,

o orvalho que voa

suicida, em uníssono com o ímpeto

para dentro do olho

vermelho, o caldeirão da manhã
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Sylvia Plath

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